segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

David Bowie e Américo Ribeiro ou a combinação mais improvável do mundo

Em março do ano passado fui a Paris. E por lá visitei, a 31, na Philarmonie de Paris, uma grande exposição evocativa da vida e carreira de David Bowie. No sábado, 9 de Janeiro, fui à Casa da Cultura revisitar Américo Ribeiro, na abertura de uma coleção de inéditos do seu vasto espólio. Nada a ver? Muito a ver. E não é de comparação que falo. Que não faz sentido em tão díspares galáxias. Só de olhares paralelos. De coexistências no ser.
Para além do gosto particular pela imagem, e pela capacidade de viajar no tempo que a sensibilidade e a formação académica me concedem, diviso, entre a riqueza de meios e recursos da exposição de Londres/Paris e a modéstia de umas fotos expostas numa sala de um pequeno centro cultural de uma cidade média de um país periférico, um universo paralelo. O da comunicação. Olhar o mundo e devolver esse olhar aos outros. Sob a forma de uma fotografia ou de uma canção.
Que seria da cidade, da sua memória icónica, sem esse acervo onde couberam todos os que antes de nós por cá viveram? Onde coube toda a vida da cidade, do rio, das cercanias, dos bairros em devir onde antes havia musgo e lavadeiras, das relações, dos rituais…
Que impacto para um familiar de retratado, para um habitante mais atento, para um amante da cidade que por ela estuda e pugna, ou mesmo para um visitante ocasional, têm essas belíssimas fotos a preto e branco?
Que prazer induzem? Que saudades transportam? Que interrogações provocam?
Ora estas mesmas perguntas não se podem fazer a milhões de fãs de Bowie, que hoje acordaram mais pobres?
Tenho amigos, daqueles mais novos, que sabem tudo sobre músicas e músicos, e tendências e pedaços de letras, (se calhar até os temas inteiros), que se sentaram todo o dia sobre a perda. E ficaram nela, chorando um quase parente, desfiando fatias de carreira, que o mesmo é dizer pedaços das suas vidas, ouvindo o preto e branco de Blackstar, mas cheios de vontade de pegar nos vermelhos de Ziggy.
Eles talvez não saibam, mas as memórias a preto e branco de um passado distante de uma pequena cidade podem ser menos esfuziantes, mais singelas, mas tão belas, e calar tão fundo, como aquela avalanche multicolor, multissensorial, do universo de Mr. David Robert Jones, no parque de La Villete.
Impacto, memórias, legados… O mundo não fica mais pobre. Enriquece-se sempre que certas pessoas por ele passam. E nós nele.
Porque teremos sempre o legado do Américo para perceber o que fomos. E o Bowie para voltar à juventude, e ouvir e dançar.

Trazê-los aqui aos dois, no mesmo texto, foi uma bizarria sem tamanho? “I feel free”.


2 comentários:

  1. Adorei o texto, Isabel! Abençoada "bizarria"!

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  2. Queremos, podemos. Bizarrias, associações improváveis.Tudo.
    Ó madureza, estás perdoada!... Que algumas coisas até são boas.

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