Em março do ano passado fui a Paris.
E por lá visitei, a 31, na Philarmonie de Paris, uma grande exposição evocativa
da vida e carreira de David Bowie. No sábado, 9 de Janeiro, fui à Casa da
Cultura revisitar Américo Ribeiro, na abertura de uma coleção de inéditos do
seu vasto espólio. Nada a ver? Muito a ver. E não é de comparação que falo. Que
não faz sentido em tão díspares galáxias. Só de olhares paralelos. De
coexistências no ser.
Para além do gosto particular pela
imagem, e pela capacidade de viajar no tempo que a sensibilidade e a formação
académica me concedem, diviso, entre a riqueza de meios e recursos da exposição
de Londres/Paris e a modéstia de umas fotos expostas numa sala de um pequeno
centro cultural de uma cidade média de um país periférico, um universo
paralelo. O da comunicação. Olhar o mundo e devolver esse olhar aos outros. Sob
a forma de uma fotografia ou de uma canção.
Que seria da cidade, da sua memória
icónica, sem esse acervo onde couberam todos os que antes de nós por cá viveram?
Onde coube toda a vida da cidade, do rio, das cercanias, dos bairros em devir
onde antes havia musgo e lavadeiras, das relações, dos rituais…
Que impacto para um familiar de
retratado, para um habitante mais atento, para um amante da cidade que por ela
estuda e pugna, ou mesmo para um visitante ocasional, têm essas belíssimas
fotos a preto e branco?
Que prazer induzem? Que saudades transportam?
Que interrogações provocam?
Ora estas mesmas perguntas não se
podem fazer a milhões de fãs de Bowie, que hoje acordaram mais pobres?
Tenho amigos, daqueles mais novos,
que sabem tudo sobre músicas e músicos, e tendências e pedaços de letras, (se calhar
até os temas inteiros), que se sentaram todo o dia sobre a perda. E ficaram nela,
chorando um quase parente, desfiando fatias de carreira, que o mesmo
é dizer pedaços das suas vidas, ouvindo o preto e branco de Blackstar, mas cheios de
vontade de pegar nos vermelhos de Ziggy.
Eles talvez não saibam, mas as
memórias a preto e branco de um passado distante de uma pequena cidade podem ser
menos esfuziantes, mais singelas, mas tão belas, e calar tão fundo, como
aquela avalanche multicolor, multissensorial, do universo de Mr. David Robert Jones, no parque de La Villete.
Impacto, memórias, legados… O mundo
não fica mais pobre. Enriquece-se sempre que certas pessoas por ele passam. E
nós nele.
Porque teremos sempre o legado do
Américo para perceber o que fomos. E o Bowie para voltar à juventude, e ouvir e
dançar.
Trazê-los aqui aos dois, no mesmo
texto, foi uma bizarria sem tamanho? “I feel free”.