segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Do riso e das relações. As de amizade. E as outras.


Um dia destes, a Virgínia, uma amiga querida a  quem, hélas, nunca tive o gosto de abraçar ou de ouvir o riso, colocou no FB o excerto de um vídeo de Deleuze. É este o link (no youtube só traduzido em italiano o encontrei, assim em versão curta).

https://www.facebook.com/479564978876804/videos/507904472709521/


Nele, Deleuze, numa entrevista de 1988, afirma  "A amizade, para mim, é uma questão de percepção. Não é o facto de ter ideias em comum, mas de uma linguagem comum ou uma pré-linguagem comum. (...) Há um mistério aí, uma base indeterminada... Tenho uma hipótese: cada um está apto a entender um determinado tipo de "charme". Ninguém consegue entender todos os tipos ao mesmo tempo. Há uma percepção do "charme". Quando falo de charme não quero supor, absolutamente, nada de homossexualidade dentro da amizade. Nada disso. Mas um gesto, um pensamento de alguém, mesmo antes que este seja insignificante, um pudor de alguém, são fontes de charme, que tem tanto a ver com a vida, que vão até as raízes vitais — que é assim que se torna amigo de alguém."

O mistério do entendimento. Um fascínio. O que nos leva a aderir quase intuitivamente a alguém? Depois ficamos ou partimos... mas estivemos. 
Deleuze avança com uma pista para tornarmos uma pessoa como "nossa" - uma decifração do mundo que implica o humor. 
Já tinha pensado nisto. Como é mais fácil estar ao lado na dor. É tão mais consensual. Mas o riso pressupõe uma determinada visão do mundo. Um entendimento que nem sempre passa pelo verbo ou pela exteriorização. É amiúde um sorriso para dentro. Um caloroso contentamento por vivenciarmos em consonância  alegrias em estado puro. (Só essas são as boas).
Ora no mesmo dia, e não devia ser coincidência, trazia o Expresso um link para um daqueles estudos americanos sobre o modo como o riso e o  humor são percecionados/ apreciados, caso sejam emanados de um homem ou de uma mulher, e o papel que isso  tem na relação entre eles.


Partindo da ideia chave que o humor pressupõe inteligência social, e apura a sensibilidade para entender o outro, não me espanta que o estudo aponte ser este  um dos valores que a mulher coloca como fundamental na sua demanda pelo ser perfeito. Já o homem pode apreciá-lo, mas é um plus. É capaz de haver umas coisinhas à frente.
Quanto à produção do mesmo... em termos profissionais é capaz de ser verdade que o humor feminino tem muito menos peso - quantas humoristas do sexo feminino temos nós num universo macho da piadola? 
E em termos sociais? Diz o estudo que as mulheres se riem das piadas dos homens muito para lhes agradar, e se mostrarem divertidas e inteligentes. Mas fazem piadas sobretudo entre elas. Reservas em relação à primeira parte... mas também estou um bocado fora do mercado do riso "com intenção". Em relação à segunda - concordância pois então, . Eu sei porquê. Quem me rodeia também. A tese da gargalhada solta e boa...do olhito brilhante, da alegria de estar viva!





sábado, 21 de novembro de 2015

Retornar aonde sempre se esteve



Quem me entrevê sabe das demoradas embirrações (cada vez menos, que é um desperdício pegado determo-nos no não). Quem me conhece, regista os constantes (às vezes efémeros) maravilhamentos.
E se os maravilhamentos também forem demorados? E progressivos? E profundos?
Pois acho que foi isso que aconteceu com a (minha) cidade.
Eu cresci (vamos lá valorizar um bocadinho ter passado dos 50), a terra rejuvenesceu. E o que parece ser um fosso... foi um local de encontro.
Durante quantos anos nos limitamos a viver por aqui, pensando na próxima ida a Lisboa, lamentando a "má imprensa", o imobilismo, o "não há nada para ver", o "não há nada para fazer"? E "os restaurantes são todos feios", "os bares são só para miúdos", "não se vê o rio", "o museu da cidade está fechado", "não há uma florzinha num canteiro", "não se vê um turista", "a baixa morreu", "não há opção de ginásios", "onde estão as pessoas com dentes nas reportagens televisivas?", "não se vê «nada» de jeito" (isso continua em larga escala, não é amiguinhas?), "não há vida cultural", "tirando as praias, a Arrábida, isto não vale nada", "moro em Setúbal mas, atenção, não sou de cá!"... 
O plural não é majestático. E por isso também a vontade de escrever. É que comigo muitos vi a alegrar-se com a abertura da Casa da Baía (2011), da Casa da Cultura, da Casa da Avenida (2012). Com a reabertura do Forum Luísa Todi (2012), do Convento de Jesus (2015). Com a reabilitação/adaptação do Mercado do Livramento (2011), da Casa do Corpo Santo (2012), do Banco de Portugal e do Quartel do 11 (2013). E a criação do Parque Urbano de Albarquel (2008). E o público a emergir. E a baixa a tentar sobreviver. E as pessoas a sair de casa, tão felizes por ela serpenteando, este verão. De dia e de noite. Pois novos espaços foram abrindo. Giros. Com música. Ou não. Só com gente com vontade de estar e rir. Como o Taifa. ("Já cá faltava!" Pois, era o que mais faltava não referir especificamente um local onde tenho passado tão profundamente leves e felizes momentos.)
E há festivais de teatro, de música, e ciclos de cinema, e semanas gastronómicas, vínicas, e chegou até cá (aleluia!), ao fim de semana, a dificuldade em optar entre ir ouvir música ou  uma palestra ou ir ao teatro.
Quem está atento, usufrui. Quem está grato, agradece e rejubila.
E pensa... mas é "só" isto?
É que há algo de injusto para o espaço que sempre lá esteve, esperando, quietinho, que o abraçassem com um reconciliado e renovado olhar.
O nascer do sol visto de Albarquel.
A visão matinal do azul do rio bordejado a verde, sob a asa do avião, no jardim da beira mar.
A Praça do Bocage a silenciar-se ao lusco-fusco.
O entardecer na lota, com o colorido dos barcos em desvanecido contraste num horizonte pontuado de gaivotas.
A baía iluminada, vista de S. Filipe.
A Serra. A Mourisca. Troia. A luz pujante. O céu azul. O peixe.

De Coimbra para cá. Por cá ficarei.






Há dias comentava como me pairava um texto sobre a cidade. E logo me escreveram: "Que paire um sítio lindo, inteiro e pacífico que bem precisamos!"

CMG, eu sinto-me num sítio lindo, inteiro e pacífico. Será que o consegui demonstrar?

As fotos são quase todas do meu amigo Z Kaiseler (que fotografa a cidade muito melhor do que eu a escrevo).







quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Rótulos


Há dois dias vi este vídeo por aí. Tem uma mensagem dificilmente contestável, com miúdos giros e simpáticos, música a condizer.
 Uma coisa de paz. Mas dei por mim a pensar em palavras de guerra -  "rótulos", "grupos", "religiões", "estereótipos", "diferenças", "gerações", "geografias","comportamentos", "ideologias", "mas" ...
Uma coisa especificamente contextualizada, mas que me fez entrar generalização dentro. Porque me lembrei disto -  "Every label you give yourself becomes your prison", do Chopra, e acabei a interrogar-me porque queremos nós permanentemente aprisionar os outros.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Livros # 1


A minha crítica no Goodreads.

https://www.goodreads.com/review/show/1400790889

É o meu terceiro Camaneiro. Gostei muito, mas reconheço que o adágio "não há amor como o primeiro" tem lugar "no meu peito".






Entre o campo e o mar

Descobrir lugares giros e pessoas boas. É uma das coisas que mais gostamos.
Novos cantinhos, odores, paisagens, conversas...
Um dia destes encontramos um lugar desses. Um redutozinho de namoros:
Entre o  sossego e o  acolhimento. O antigo Três Quinze Dias sadino e sobreiros.  Fruta fresca, iogurte caseiro, sementes e pão e charcutaria alentejana. Ruídos de passarada campestre e ondas do mar.
Duas noites que souberam a mini-férias.
No fim trouxemos limões acabados de colher e a vontade de regressar.
Monte Ponte Pedra. Lagoa de Santo André



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Navegações



(A mãe, ou pai, que poema é masculino, do título da casinha.)

À luz do aparecer a madrugada

Iluminava o côncavo de ausentes
Velas a demandar estas paragens

Aqui desceram as âncoras escuras

Daqueles que vieram procurando
O rosto real de todas as figuras
E ousaram - aventura a mais incrível -
Viver a inteireza do possível

                 in Navegações
            Sophia de Mello Breyner Andresen


Paris

A polícia dos sentires diz-nos que morreu gente na Síria, em Boko Haram, em Tripoli, nos céus do Sinai. E insurge-se com o facto de mais altas vozes se erguerem quando essa gente morre mais perto, e falam-nos de cidadãos de 1ª e de 2ª... E eu digo que nisto da geografia pessoal dos afetos e das perdas as coisas não se leem desse modo redutor. Que mil lágrimas deitamos mais por um colega de trabalho que por vinte professores mortos num desastre de autocarro em Trás os Montes, para nem sair do nosso territoriozinho. (Lamentamos o acidente? Clara redundância!)
Nós, e na minha geração escolarizada penso, lemos e falamos francês. Temos um tio em Marselha, um amigo em Paris... Sabemos de História mais antiga e pensamos nos valores da revolução, e da mais recente, e pensamos no "é proibido proibir", nos nossos exilados. Nas horas de música e filmes franceses que tanto nos encheram. E, personalizando, como Paris foi a primeira paragem do interrail (e a primeira pousada de juventude), a primeira viagem ao estrangeiro (só) uns anos depois de casar, a última viagem feita, assinalando o 20º aniversário de casamento, e realizando um sonho materno de conhecer a cidade.
Eu nunca saí à noite para dançar em Damasco, ou confraternizei em restaurantes sírios, comi um croissant num café na Nigéria (e parece que Picasso também não), ou levei a minha mãe a um museu libanês.
Atacar esse reduto onde tantos fomos felizes é, para além das maiores e respeitáveis considerações relativas ao desrespeito pelos nossos valores, entrar pelas nossas memórias. Pela nossa vida.