segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Paris

A polícia dos sentires diz-nos que morreu gente na Síria, em Boko Haram, em Tripoli, nos céus do Sinai. E insurge-se com o facto de mais altas vozes se erguerem quando essa gente morre mais perto, e falam-nos de cidadãos de 1ª e de 2ª... E eu digo que nisto da geografia pessoal dos afetos e das perdas as coisas não se leem desse modo redutor. Que mil lágrimas deitamos mais por um colega de trabalho que por vinte professores mortos num desastre de autocarro em Trás os Montes, para nem sair do nosso territoriozinho. (Lamentamos o acidente? Clara redundância!)
Nós, e na minha geração escolarizada penso, lemos e falamos francês. Temos um tio em Marselha, um amigo em Paris... Sabemos de História mais antiga e pensamos nos valores da revolução, e da mais recente, e pensamos no "é proibido proibir", nos nossos exilados. Nas horas de música e filmes franceses que tanto nos encheram. E, personalizando, como Paris foi a primeira paragem do interrail (e a primeira pousada de juventude), a primeira viagem ao estrangeiro (só) uns anos depois de casar, a última viagem feita, assinalando o 20º aniversário de casamento, e realizando um sonho materno de conhecer a cidade.
Eu nunca saí à noite para dançar em Damasco, ou confraternizei em restaurantes sírios, comi um croissant num café na Nigéria (e parece que Picasso também não), ou levei a minha mãe a um museu libanês.
Atacar esse reduto onde tantos fomos felizes é, para além das maiores e respeitáveis considerações relativas ao desrespeito pelos nossos valores, entrar pelas nossas memórias. Pela nossa vida.


2 comentários:

  1. Amiga adorei tua nova empreitada e entendo perfeitamente este texto.

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  2. E eu adorei que inaugurasses o cantinho. Afinal de contas foi pelo teu que nos conhecemos.

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