segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Shakespeare by the Dão

Cada nova saída, cada nova reflexão em torno do "publico/não publico". Nada de mais, nada de novo. Muitas alminhas andarão por aí em dúvida parecida. É uma curiosa dúvida dos nossos tempos que coloca o dilema "mostramos/exibimos versus mostramos/partilhamos". A primeira premissa parte da preocupação com os olhares dos outros, a segunda, com os nossos, se os nossos pertencerem a gente de bem. Porque nessa partilha podem só estar coisas boas - felicidade, entusiasmo, agradecimento... E sempre foi isso que esteve subjacente às minhas.
Na pausa de Carnaval fomos até à zona de Santa Comba Dão, dando fundamento à existência das "rede sociais" como um espaço onde amigos nos mostram coisas da mais diversificada espécie. Foi lá que descobri a minha cabaninha de sonho e a ecopista do Dão. E apeteceu-me fazer da ida uma coisa muito secreta e boa. Mas depois, sobreveio-me a ideia de que também podia ser um pouco menos secreta e boa... Porque o espaço é giro, e porque pela primeira vez voltei a fazer caminhada e andar de bicicleta num local tão bom. E resolvi partilhá-lo... tanto mais que durante todo este tempo tantos me vieram dar ombro e riso e força e essas coisas todas... Era assim uma espécie de retorno.
Antes de ir, porém, já as geografias se alargavam, por via de um novo encontro, e uma enfática recomendação - o Centro Interpretativo da Máscara Ibérica, em Lazarim. Não era longe. A decisão estava tomada.
Venham daí as contradições. Adoro mascarar-me. Não o faço há uns 25 anos. Fujo dos carnavais há anos. Neste demandamos o frio, o vento e a chuva em busca de um. 
Ver é bom, conhecer ainda mais. Mas a inclemência dos elementos estraga um bocado as coisas, por mais que se afirme à exaustão "mais vale andar a passear à  chuva que estar em casa a vê-la cair", "mais vale andar a passear com esta tosse de morrer que sofrer em casa" e outras pérolas do habitual positivismo. Mas, se a chuva na casinha de vidro foi um elemento romântico, e razoavelmente bem acolhido, na esticadela a norte foi um inferninho que se enfiou ossos dentro, molhou máscaras e entusiasmos, enregelou carnavais por muito tempo.
Saúde retomada, sol rebrilhando, a putativa dúvida cimeira ultrapassada... rumar a norte é sempre bom. E a sul também. Rumar...

 




quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Reeditar passados

Há exercícios de memórias que são uma vacuidade, às vezes curiosa, outras tão só cheia de penas. Há reviveres ridículos, recriações espúrias. Por isso é fugir deles, que o hoje pode ser tão mais gracioso e pleno.
Depois vêm as tentações em forma de ciclos de cinema... foi-se o Quarteto, ficam os filmes (e lá me dizia um amigo geógrafo para não me preocupar com a estafadice do "nunca voltar onde se foi feliz"... era de outras geografias, as de emoção plena que eu falava, mas não me apeteceu dizer-lhe). 
Fui ao encontro de Tarkovsky, um dia destes. Nem sequer tinha visto Nostalgia. Melhor. Era  mais do que o filme o que me conduziu. Era o gosto de pegar em mim, de me colocar a sós num écran pleno de poesias, ou diálogos de pensar,  ou cenas-quadro em que nada parece acontecer.  E isso só é possível nesses filmes "parados", em que a água a escorrer sai da tela para em nós escorrer, em que o tempo parece distanciar-se simbolicamente do nosso. É uma visão para o exigente. Nada mais quer que uma relação perfeita entre espetador e filme. Que pode ser curta mas intensa. No escuro. Aí se vai instalando um júbilo meio difuso porque insinuante, meio escondido, mas que lá fica. E se sente numa trincadela de um posterior scone na Versalhes.
Em cada realizador há algo que nos clica, um sinal, um estilo. Identificamos e vamos. Em Tarkovsky é a água. Acho que ninguém a filma como ele - em poças, na chuva, em humidades vítreas.  Em Nostalgia ela quase não sai da tela, numa desolação poética e triste. O filme é também ele um poema triste de um poeta triste, sem remisssão.
Depois de regressar, quis ficar mais um pouco e fui andando por aí dispersamente, lendo coisas sobre o filme, sobre a obra. E dei com esta declaração do próprio realizador.
There is always water in my films. I like water, especially brooks. The sea is too vast. I don't fear it; it is just monotonous. In nature I like smaller things. Microcosm, not macrocosm; limited surfaces. I love the Japanese attitude to nature. They concentrate on a confined space reflecting the infinite. Water is a mysterious element -- because of its structure. And it is very cinegenic; it transmits movement, depth, changes. Nothing is more beautiful than water.

Pois não. Explicada a pulsão... afinal talvez nem tenha sido um regresso ao passado. Que o gosto do mergulhar nunca ficou para trás.